quarta-feira, 15 de junho de 2011

Desabafo de um promotor


Caros colegas, após 15 anos de atuação na área criminal estou pensando seriamente em abandonar a área com a nova Lei 12.403/2011 aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada em 5/5/2011 pela presidente Dilma Rousseff e pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Quem não é da área, fique sabendo que em 5 de julho a nova lei entra em vigor e a prisão em flagrante e prisão preventiva somente correrão em casos raríssimos, aumentando a impunidade no País. Em tese, somente vai ficar preso quem cometer homicídio qualificado, estupro, tráfico de entorpecentes, latrocínio etc.
A nova lei trouxe a exigência de manter a prisão em flagrante ou decretar a prisão preventiva
somente em situações excepcionais, prevendo a conversão da prisão em flagrante ou substituição da prisão preventiva em nove tipos de medidas cautelares praticamente inócuas e sem meios de fiscalização (comparecimento periódico no fórum para justificar suas atividades, proibição de frequentar determinados lugares, afastamento de pessoas, proibição de se ausentar da comarca onde reside, recolhimento domiciliar durante a noite, suspensão de exercício de função pública, arbitramento de fiança, internamento em clinica de tratamento e monitoramento eletrônico).
Para quem não é da área, isso significa que crimes como homicídio simples, roubo à mão armada, lesão corporal gravíssima, uso de armas restritas (fuzil, pistola 9 mm etc), desvio de dinheiro público, corrupção passiva, peculato, extorsão etc, dificilmente admitirão a prisão preventiva ou a manutenção da prisão em flagrante, pois em todos esses casos será cabível a conversão da prisão em uma das nove medidas cautelares acima previstas.
Portanto, nos próximos meses não se assuste se você encontrar na rua o assaltante que entrou armado em sua casa, o ladrão que roubou seu carro, o criminoso que desviou milhões de reais dos cofres públicos, o bandido que estava circulando com uma pistola 9 mm em via pública etc.
Além disso, a nova lei estendeu a fiança para crimes punidos com até quatro anos de prisão, coisa que não era permitida desde 1940 pelo Código de Processo Penal! Agora, nos crimes
de porte de arma de fogo, disparo de arma de fogo, furto simples, receptação, apropriação indébita, homicídio culposo no trânsito, cárcere privado, corrupção de menores, formação de quadrilha, contrabando, armazenamento e transmissão de foto pornográfica de criança, assédio de criança para fins libidinosos, destruição de bem público, comercialização de produto agrotóxico sem origem, emissão de duplicada falsa, e vários outros crimes punidos
com até quatro anos de prisão ninguém permanece preso (só se for reincidente).
Em todos esses casos o delegado irá arbitrar fiança diretamente, sem análise do promotor e do juiz. Resultado: o criminoso não passará uma noite na cadeia e sairá livre pagando uma fiança que se inicia em um salário mínimo!
Esse pode ser o preço do seu carro furtado e vendido no Paraguai, do seu computador receptado, da morte de um parente no trânsito, do assédio de sua filha, daquele que está transportando uma tonelada de produtos contrabandeados, do cidadão que estava na praça onde seu filho frequenta portando uma arma de fogo, do cidadão que usa um menor de dez anos para cometer crimes etc.
Em resumo, salvo em crimes gravíssimos, com a entrada em vigor das novas regras, quase ninguém ficará preso após cometer vários tipos de crimes que afetam diariamente a sociedade. (Giovani Ferri, promotor de Justiça de Toledo, O Paraná On-Line 14/06/2010)